A arte de fazer e acontecer no tablado

“A minha pretensão é trazer todos os grupos, todos os artistas da região para se apresentar no Téspis. Temos que sair deste estado de hibernação que nos aflige. Lutar contra essa desvalorização que atingiu a arte teatral”.

Hamilton – Você é um dos fundadores do Téspis, um dos grupos de teatro mais reconhecidos da cidade, então que tal começarmos com você contando a história da companhia?

Robson Lóddo –  Pra falar do Téspis tem que se falar antes de tudo do Conservatório Carlos Gomes. O Téspis nasceu no Conservatório. Foi ali que o Edgar Rizzo reuniu a gente antes mesmo de idealizar uma companhia de teatro. A gente era cheio de ideias loucas, tínhamos muita energia e achávamos que juntos podíamos conquistar o mundo. E começamos exercitando a imaginação com uma peça infantil chamada “A Árvore que Andava”, de Oscar Von Pfull. Afinal, se nosso objetivo era a conquista, a gente achava que devia começar pelas crianças. Estudávamos, ensaiávamos, preparávamos figurinos, cenários. Tudo com muito carinho e capricho…  isso em 1974… Em seguida montamos “Os Brinquedos Sabidos”, o clássico “Pluft, O Fantasminha” e fomos aumentando nossa plateia até perceber que montar uma companhia era o caminho natural.

HRJ – Téspis remete a um personagem grego, não?

Robson Lóddo –  Sim. O nome Téspis foi uma sugestão minha. O Edgar Rizzo dava aula de História do Teatro, e um dia nos contou sobre a lenda do primeiro ator que surgiu na Grécia. Existem várias versões da história, mas vou me ater a versão que o Edgar tinha prazer de contar. Tudo ocorreu num solstício de verão, os gregos organizavam tradicionalmente a festa do vinho, com o objetivo de  saudar Baco, e eis que no meio da empolgação, um ser iluminado colocou uma máscara e já sob o efeito da bebida, subiu numa mesa e disse: “Eu sou Baco, o Deus do vinho”. A caracterização do rapaz foi tão impressionante que todos puseram oferendas em seus pés e entraram na viagem. Bom, o nome desse primeiro doido era Téspis. Então, liderado pelo Edgar Rizzo, nosso grupo teatral, começou com essa mesma ambição. Pequena, como a desse cidadão grego, mas que foi contagiando cada vez mais pessoas e ganhando seu espaço. Como Téspis a gente já fez uma primeira peça adulta “Aquele Que Diz Sim e Aquele que Diz Não”, de Bertolt Brecht, que apresentamos no Barracão do Jonas Rocha Lemos.

HRJ – Mas o Jonas tinha a companhia teatral dele… vocês se aliaram?

Robson Lóddo – Naquela época havia um espírito coletivo, os grupos se reuniam, compartilhavam suas experiências, sem divisas. Uma companhia de teatro abria espaço para o outro se apresentar, havia um clima muito saudável, às vezes a gente recebia convite para fazer o personagem na montagem do grupo do outro e beleza… Até mesmo a Sia Santa, a gente do Téspis tinha uma certa rivalidade com a Sia Santa, mas era um negócio saudável, que permitiu em um momento nossa união para montar “A Bela Adormecida”, com a Miriam Rios. O Crispim Jr. e o Jorge Fantini são dois sujeitos muito abertos. E foi a glória. Os espetáculos que surgiam eram contagiantes, o Teatro de Campinas fervilhava. Tinha um grande público jovem, universitário. E vinha gente de fora também, para ver o que a gente estava aprontando.

HRJ – A cidade também recebia os grandes espetáculos de São Paulo e Rio?

Robson Lóddo – Todos os principais espetáculos vinham para cá, porque tínhamos um público imenso e duas salas de teatro de primeira, que eram o Centro de Convivência e o Castro Mendes. O Chico Anysio quando veio ao Centro de Convivência ficou impressionado, declarou que era a melhor sala de teatro do Brasil. E todo mundo colocava a cidade na rota: Fernanda Montenegro, Antônio Fagundes, Rubens Corrêa, Sérgio Britto, Tônia Carrero, Marco Nanini. O Gerald Thomas, quando criou a Companhia Ópera Seca, fez questão de fazer a estreia de gala de sua Trilogia Kafka, no Centro de Convivência. Na época ele era um diretor badalado, podia fazer a estreia onde quisesse, em São Paulo, no Rio, mas ele fez aqui. Olha, não é saudosismo da minha parte, mas havia uma efervescência muito grande por aqui, algo muito especial e empolgante e o que aconteceu? Perdemos isso.

HRJ – Algumas pessoas que entrevistei citam a importância do Edgar Rizzo para o Teatro campineiro, mas ninguém vai além do aposto, quando fala sobre o Edgar. Como o interesse aqui é memorialística, gostaria que você, que o conheceu muito bem, desse um pouco mais de relevo pra história dele.

Robson Lóddo  – Cara, como falar do Edgar sem me emocionar? O Edgar foi o mestre de quase toda minha geração. Era o nosso professor. Uma pessoa contagiante, chegava devagar,  como quem não querendo nada e nos conquistava. Era super atencioso, com uma capacidade de ensinar, mas também de ouvir. Era extremamente culto, mas não despejava sua erudição pra impressionar. Verdade que ele não tinha paciência quando percebia que alguém não estava levando o assunto a sério. Mas também quem tem? Ele estimulava nosso interesse e, quando você percebia, já estava cativado. Não é só o Téspis que deve muito a ele. A história do teatro de Campinas seria mais pobre se por ela não tivesse passado uma pessoa como o Edgar Rizzo. Ele foi um alicerce, a nossa razão, assim com a Maluzinha (a atriz Malu Lopes), que também era uma das integrantes do Téspis, era o nosso coração. Curiosamente perdemos os dois no mesmo ano. A Malu morreu no dia 20 de março de 2015. O Edgar menos de três meses depois (no dia 4 de junho).

HRJ – O Antônio Carlos, do Sotac, me contou que a morte do Rizzo foi a última vez em que a classe teatral de Campinas se reuniu. Nunca mais vocês se encontraram. Por que?

Robson Lóddo  – Olha, o que eu lembro foi que houve algumas rusgas com algumas pessoas, um estranhamento, afinal todos éramos e continuamos passionais. Mas acho que mudou por causa do distanciamento do mundo de hoje, que tá muito individualista e triste. Virou meio que uma tendência cada um ficar no seu quadrado e correr atrás do seu…

HRJ – Mas lá atrás, vocês todos eram amigos, na primeira turma do Conservatório, estavam você, o Antônio Carlos, o Jésus Sêda…

Robson Lóddo  – Sim. E também a Rute Elizabeth, o Luiz Humberto, a Fátima… Acho que o tempo faz isso. A gente faz algumas escolhas e os amigos nem sempre estão juntos, precisam correr atrás de suas demandas. Com alguns a gente se afina mais. Eu e a Rute Elizabeth, por exemplo, continuamos unha e carne até hoje. Houve uma época que o pessoal dizia que a gente era amante, o que era engraçado, porque éramos amantes num outro patamar que ninguém entendia. Mas minha admiração por todos é tremenda. Acho o Antônio Carlos um baita empresário, é um exemplo a seriedade como ele toca o Sotac, e o que dizer do Jésus Sêda? Meu Deus, o trabalho com criação de bonecos dele e magnífico, tem projeção nacional… Acho que, no fundo, o que falta hoje é um novo ponto de encontro. Sabe, eu estou com uma ideia, você viu que estamos do lado do Teatro Castro Mendes? Já percebeu que não existe um café nas imediações? E se eu montasse uma cafeteria no Téspis? A Lara Ziggiatti, do Conservatório Carlos Gomes, outro dia me disse, Robson, e se você oferecesse junto com o café, uma récita musical ou algum espetáculo antes. É uma grande ideia da Lara. E quem sabe, esse poderia ser o ponto de encontro que todos tantos sentimos falta.

HRJ – Pedi primeiro para você falar no Téspis, agora gostaria que você contasse sua história como ator e diretor de teatro.

Robson Lóddo –   Acho que antes de tudo a gente não deve esquecer da onde veio. Eu era um rapaz pobre, de periferia, que queria ser pianista. E tive a grande sorte de ser apresentado a um mundo muito amplo, que havia no Conservatório Carlos Gomes. Você tinha a música, mas ao mesmo tempo a dona Lea Ziggiatti (mãe da Lara) oferecia um espaço interdisciplinar, porque  havia no Conservatório outras áreas para se expandir. Havia professores no segmento das artes plásticas, do coral, dança, e teatro e você podia transitar de uma para outra. Era um espaço rico, super ilustrado por uma gama de opções. Tive sorte. Fui um privilegiado. A Lea, naquela época me deu meia bolsa de estudos e me deixou a vontade para transitar por todas essas áreas. Depois, quando me formei, senti que precisava retribuir de alguma forma, então ingressei como professor de maquiagem no Conservatório. Aliás, falando na arte da maquiagem, eu tive um grande mestre lá, o Amadeo Tilly. A gente buscava um requinte naquela época, e a maquiagem do Amadeo era o nosso guia. Era coisa de pintura. A formação com o Amadeo ajudou-me depois a entrar para a equipe de grandes espetáculos musicais como A Bela e a Fera, O Fantasma da Ópera, Miss Saigon… Na minha inquietude, também fui figurinista, ator, depois entrei de cabeça no balé. Primeiro fui estudar na melhor academia de dança da cidade, lá na Lina Penteado, depois me aperfeiçoei estudando em São Paulo com a coreógrafa e preparadora Aline Bernardi. Comecei dançando em inferninhos em São Paulo e, quando me dei conta estava fazendo carreira como bailarino no Japão. Aliás morei um tempo no Japão. Depois voltei, fiz produção, direção cênica de três óperas no municipal…

HRJ – Sim, você também participou de telenovela…

Robson Lóddo – Verdade, eu tive oportunidade inclusive de conviver nos bastidores de algumas novelas bem conhecidas. Fui casado com o Walcyr Carrasco, que era autor de novelas da Globo, e eu sabia que, se eu pedisse, ele me daria papéis, mas sinceramente eu não gostei daquele ambiente. Existem pessoas legais na TV, mas você entra num set da Globo e você sente um mundo pesado, cheio de muita fofoca, vaidade, hipocrisia, é um lugar complicado de trabalhar para quem tem uma índole como a minha.

HRJ – Mas você fez uma novela dele, Fascinação, não foi?

Robson Lóddo – Fiz. Mas não foi na Globo. Naquele momento, naquele ambiente e com aquela equipe,  eu vi que estava mais a vontade. E foi um aprendizado. Fiz achei a experiência interessante, mas veja, não é arrogância. Sei que ao renunciar a TV, você abandona um nicho importante, que pode te dar um sustento profissional. Mas sabe quando você sente que não é sua praia? Eu admiro quem faz, respeito, trabalhei como produtor de alguns grandes atores, como o Antônio Fagundes, que na minha opinião, é um dos maiores atores do mundo. Ele faz TV para preencher uma lacuna, está em busca de algo maior, mais diverso. O dinheiro da novela patrocina os projetos pessoais dele. É o mesmo caso da Fernanda Montenegro. Existe uma coerência por trás. No meu caso, desde o começo, eu senti e conclui que sou uma pessoa do palco. Então eu preferi ser assistente do Maurice Vaneau numa montagem ambiciosa da peça “Beethoven”, com Stênio Garcia, depois fui convidado pelo Zé Renato Pécora para fazer a assistência de direção de um espetáculo chamado “Vidros Partidos”, com a Miriam Mehler e o Oswaldo Mendes, e também dei assistência para o Jorge Takla em duas ocasiões. Trabalhei com o maravilhoso Antonio Abujamra num espetáculo que se chamava “O Que Leva Bofetadas” e fui ator em “Turandot”, de novo com o Zé Renato. Então o meu negócio, sempre foi buscar desafios que me façam verdadeiramente crescer neste mundo que é o teatro. E minha inquietude não me deixa parar. Agora depois de velho, por exemplo, voltei pra faculdade, fiz licenciatura e bacharelado na Anhembi Morumbi em São Paulo. Minha mãe até hoje não me perdoa por eu ter dado as costas para a TV (risos), mas o Walcyr, compreendia o que estava implicado nisso, eu buscava uma expansividade e uma presença própria. Talvez até nosso relacionamento não tivesse durado 13 anos, se eu não mantivesse esse princípio. Na vida, a gente tem que ser coerente.

HRJ – Interessante, você seguiu uma trajetória que 90% dos atores de Campinas sonham, que é ter uma carreira em São Paulo ou no Rio e, no fim, você voltou. Por que?

Robson Lóddo – A direção que eu sempre segui na vida foi a que meu coração me apontou. Nesta trajetória, fui acumulando minhas experiências, e, percebi que, na minha vivência, eu nunca esqueci o Téspis. Voltei por que entendi que a minha missão estava aqui. O meu foco é o Téspis. É uma emoção estar sentado nesta cadeira, neste palco, sendo entrevistado por você, e olhar ao redor e ver a dimensão que esse auditório tomou. Ontem era um atelier que precisava de uma boa reforma, hoje é a nossa sede, um espaço que a cada dia adquire mais charme pra mim…

HRJ – Sim, o espaço tá lindo, gostei da arquitetura, tem um clima retrô, o auditório passa um requinte que não deve nada as casas de espetáculos alternativas de Londres e Paris.

Robson Lóddo – Pode ter certeza que deu muito trabalho pra concluir (risos). Mas o importante é que agora tá pronto. Temos quase 40 alunos matriculados no nossos cursos. No mês passado fizemos uma apresentação-teste com o pessoal do Instituto Ser, que encenou um maravilhoso espetáculo dando expressão e arte a seus alunos especiais. E esta semana (sábado, dia 19 de agosto), vamos fazer a grande inauguração. Sabe, sinto que estou iniciando uma nova fase em minha carreira. Um momento muito especial. Parece que tudo que aprendi antes, me preparou para esse momento. E é incrível como amigos da classe teatral estão me ajudando, algumas de forma decisiva, como o Jucan Camargo, que usou muito esse espaço antes de mim. Aqui era o atelier dele, era o lugar onde o Jucan construía os cenários de grandes óperas. A minha pretensão é trazer todos os grupos, todos os artistas da região para se apresentar aqui. Temos que sair deste estado de hibernação que nos aflige. Lutar contra essa desvalorização que atingiu a arte teatral, ponto de referência e de signos concretos da nossa experiência coletiva, que sempre foram importantes. Campinas precisa de gente que faça a diferença, que crie espaço para os grupos de teatro novamente comungarem e trocarem experiências. Gente que tenha muito amor pela arte, porque é preciso muito amor e um pouco de loucura para elevar nosso teatro a um novo patamar e manter o legado do que a geração do teatro nos anos 70 e 80 nos deixou.

Não percam: semana que vem teremos mais uma entrevista com uma personalidade marcante do teatro campineiro.

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